Oscar 2013: Detona Ralph


Indicado na categoria: longa-metragem de animação


Eu sou do tempo em que a Disney era politicamente correta. "Ser mau é bom" era um lema impensável para um protagonista de uma de suas animações. Aliás, vilões e mocinhos tinham seus lugares bem definidos, e o posto de personagem principal era sempre dos bonzinhos. Os malvados eram sempre castigados. E é bastante saudável ver essa suposta inversão de valores na mais nova produção do estúdio. Suposta porque, obviamente, Detona Ralph tem uma mensagem edificante e se passa num universo lúdico, mas ir além da abordagem maniqueísta é um avanço e tanto.

Com um quê de Toy story, o longa dirigido por Rich Moore mostra que, entre os manipuladores e os manipulados nas mesas de fliperama, existem muito mais mistérios do que supõem nossa vã filosofia. Ralph (voz de John C. Reilly), por exemplo, entrou em crise quando "Conserta Félix Jr." completou 30 anos. Num exame de consciência, ele se deu conta de que não é legal ser o cara mau: não tem amigos e vive solitário num lixão. Disposto a provar que também pode ser um herói, ele invade outros jogos para conquistar uma medalha e mostrar seu valor. Só que sua saída repentina ameaça a existência de todos os outros personagens, e não demora para que o grandalhão seja acusado de traidor.


O ingênuo argumento ganha força ao longo do filme graças às espertas sacadas do roteiro, que amarra bem todas as subtramas e explora as características dos personagens - como a capacidade que Ralph tem de "detonar" as coisas e que Félix (Jack McBrayer) tem de consertá-las - em situações além do script do jogo. Sem falar em momentos com deliciosas referências externas ao mundo dos videogames, como o lago de Coca-Cola Diet, permanentemente perturbado por uma estalactite de Mentos. Mas os fãs de videogame devem ter delirado mesmo com citações aos célebres Super Mario, Street Fighter e Pac Man, que tem até representantes ilustres em participações especiais (numa sequência que lembra a impagável reunião dos tubarões em reabilitação em Procurando Nemo).

Outro ponto alto da animação é o esmero visual: a realização não deixa a desejar em nenhum momento, seja na nostalgia dos softwares mais antiquados e pixelados (que dão ao filme um gostinho de infância), ou na qualidade dos programas mais recentes e sofisticados. E é da reunião desses dois mundos extremos que surge uma das melhores frases do filme, dita por Félix ao conhecer a sargento Calhoun (Jane Lynch): "Olha para essa alta definição... Seu rosto é incrível!". A ambientação de cada universo é outro show à parte, com destaque para Sugar Rush, lugar feito exclusivamente de doces, que sedia a maior parte das cenas de ação da produção, tal qual um videogame de verdade.

Mas a cereja do bolo é mesmo o carisma dos personagens. Além do adorável protagonista, a pequena Vanellope (Sarah Silverman) é irritante, mas irresistível - e o fato de ela ser rejeitada por ser um "tilt" só lhe dá mais charme. A amizade entre os dois segue o formato clássico de conflito inicial, identificação gradual, mal entendido e conciliação (ora, é um filme para crianças), com direito até a uma certa dose de sacrifício no final. Ué, ser mau não era bom? O filme acaba mostrando que rótulos nem sempre correspondem à realidade, que as aparências enganam e outros clichês que servem de moral da história. Mas lidar com esses conceitos com leveza, bom humor e até uma certa irreverência é um sinal positivo para um estúdio tão tradicional. Como se vê, rótulos não estão com nada.



No próximo post: O impossível
Giselle de Almeida

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