Oscar 2013: Lincoln


Indicado nas categorias: filme, diretor (Steven Spielberg), ator (Daniel Day-Lewis), ator coadjuvante (Tommy Lee Jones), atriz coadjuvante (Sally Field), roteiro adaptado, fotografia, edição, trilha sonora original, mixagem de som, figurino e design de produção


Lincoln é um filme americano para americanos. Mas quer ser algo mais: quer ser universal, humanitário, filosófico. Todos os objetivos, embora pretensiosos, são compreensíveis e justificáveis, mas nada no longa de Steven Spielberg colabora para chegar a esse resultado. Ao contrário, apenas reforça estereótipos, reduz a Guerra Civil Americana a uma disputa política, polariza uma questão complexa como a escravidão e simplifica as consequências da abolição em desnecessários 150 minutos.

A obra acompanha os meses finais da vida de Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis) a partir de um momento bastante específico, que é a batalha pela aprovação da 13ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. A decisão que garantiria liberdade dos negros e poderia pôr um fim à sangrenta disputa entre o Norte e o Sul do país, no entanto, encontrou bastante resistência antes de sua aprovação no Congresso.

Já era esperado que o 16º presidente estadunidense tivesse suas qualidades exaltadas na produção, claramente patriótica - caso você não tenha notado, repare na quantidade de vezes em que a bandeira nacional aparece em cena. Mas o fato de o protagonista ser retratado como um homem íntegro, idealista e justo não consiste exatamente num problema. A falta mais grave é que essas são as únicas facetas a que o público tem acesso durante toda a exibição. Sim, há o contador de histórias. Sim, há o pai ausente para o primogênito e carinhoso com o caçula. Sim, há o marido preocupado, embora seco. Mas todas essas pinceladas não são capazes de sugerir camadas ou texturas para uma figura real, que é mais do que um nome nos livros de História. O conjunto não convence, até porque não é isto que interessa a Spielberg: o que ele busca é a figura solene que encanta a ele e seus compatriotas.

Auxiliado por uma maquiagem impecável - que o torna praticamente outra pessoa, mas com naturalidade -, Day-Lewis faz um exercício interessante de contenção em 99% das cenas. Raramente o personagem levanta a voz ou tem um movimento gestual mais expansivo. A fala mansa e ritmada, a postura encurvada e o olhar são, praticamente, os únicos elementos de composição à sua disposição. Mas a insistência em fotografar o personagem de perfil, em silêncio e quase integralmente imóvel prejudica muito a percepção da sutileza do trabalho do ator. A imagem congelada passa a impressão de que estamos observando não o homem, mas o retrato, a estátua, a figura eternizada no imaginário coletivo: um grande líder, capaz de inspirar com seus discursos (bastante mal explorados no início e no fim da projeção), mas não o homem Abraham Lincoln.


Na pele de Thadeus Stevens, Tommy Lee Jones apresenta uma performance correta, mas é Sally Field quem atrai todos os olhares, justamente por oferecer a emoção que falta em todo o restante do filme. Os momentos em que Mary, a primeira-dama aparece, são os mais humanos, mais reais, mais verossímeis. Seja chorando a morte do filho, enfrentando um opositor do marido publicamente ou o próprio presidente, ela parece ser a única personagem tridimensional da obra, muito provavelmente por estar alheia ao conteúdo político que domina a narrativa.

O roteiro extremamente formal e engessado de Tony Kusher ajuda o resultado final a ficar mais pesado, e isso já fica evidente na abertura, quando uma breve sequência de guerra precede uma apresentação burocrática do personagem principal. Desde o início, fica clara a opção do diretor por evidenciar os diálogos, que pecam pela artificialidade, à ação. A intenção, pelo visto, foi fazer um raio-X dos bastidores políticos, focando no lobby e em todas as outras ações necessárias para conquistar votos. Mas mesmo estes momentos de articulação apresentam altos e baixos, como a cena em que um membro do partido quase leva um tiro do interlocutor - o acréscimo da música de fundo cria um clima cômico sem sentido.

Talvez o grande mérito de Lincoln seja mesmo o de evidenciar o quanto a discussão sobre segregação e igualdade era irracional. Como foi possível, em algum momento da chamada civilização, que seres humanos fossem considerados propriedades? Como um outro ser humano poderia achar isso natural? Ao ouvirmos questionamentos sobre direitos ao voto para os negros (e para as mulheres, por extensão), nos damos conta do quão patética é a distinção pela cor. Hoje conduzido por um presidente negro (e querido), os Estados Unidos obviamente vivem um novo momento na História. Mas lembrar tudo isso nunca é demais, até porque ainda não criaram uma lei contra o racismo velado.


No próximo post: O mestre
Giselle de Almeida

Nenhum comentário: